terça-feira, 4 de novembro de 2014

A Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici

O conceito de Representação Social surgiu do trabalho pioneiro de Serge Moscovici, intituladoLa Psychanalyse, son image et son public(1961), que se ocupava do estudo da difusão da psicanálise em diferentes âmbitos da população parisiense da referida época, de sua apropriação e transformação pela mesma para outras funções sociais. Egressa da tradição da sociologia do conhecimento, a proposta se tornou o cerne de uma abordagem psicossociológica do mesmo, ambicionando a redefinição dos problemas da psicologia social. Esta, em uma vertente mais norte-americana, buscava dar conta do fenômeno social de forma excessivamente individualista, estudando as impressões do social nos processos psicológicos individuais através de recortes experimentais que esvaziavam o sentido propriamente contextual do fenômeno (Sá, 2004).
Para fazer frente a tal perspectiva, Moscovici buscou referência na obra de Durkheim, que preconizava a explicação sociológica dos fatos sociais, mais especificamente em seu conceito de Representações Coletivas. Entendendo a sociedade como uma realidade em si, Durkheim propôs por tal conceito um fenômeno coercitivo, autônomo, exterior ao indivíduo e que, através do agenciamento de idéias, experiências e saberes de gerações, instituem aspectos mais íntegros, unificados e estáveis do social, como a religião, os mitos, as ciências, etc (Sá, 2004).
Divergindo desse aspecto reminiscente da representação, Moscovici se voltou para os fenômenos mais dinâmicos, cotidianos e fugidios, que muitas vezes escapam de uma unificação que os institucionalize. Dessa forma, o autor forjou um espaço psicossociológico próprio ao buscar um afastamento do excessivo psicologismo americano, encontrar referências na proposta durkheimiana e reconsiderar desta a exaltação do social sobre o individual, buscando uma nova compreensão dos vínculos entre estes.
Moscovici (1984) propõe a existência de dois universos de pensamento nas sociedades contemporâneas, os reificados e os consensuais. Nos primeiros, representantes do saber acadêmico e científico, há uma validação do conhecimento segundo rigores lógicos, metodológicos e objetivos, além de sua estratificação por hierarquias e compartimentarização em especialidades. O que se produz nesse âmbito visa atender a uma reprodutibilidade e uma fidedignidade. Já nos segundos impera uma “lógica natural”, uma legitimação de conhecimento pela atividade intelectual compartilhada socialmente no cotidiano, menos compromissada com as exigências da objetividade, verossimilhança e plausibilidade. Tais produções voltadas para o prático formam as Representações Sociais (Sá, 2004).
Em um caráter mais conceitual, Denise Jodelet (1984) afirma que a Representação Social designa um fenômeno de produção dinâmica, cotidiana e informal de conhecimento, um saber de senso comum de caráter eminentemente prático e orientado para a comunicação, a compreensão ou o domínio do ambiente social, material e ideal de um determinado grupo. Nesse sentido, em vez de conceber a representação como o que se dá entre a percepção de algo e a formação de seu conceito, Moscovici a compreende como um processo que torna cambiável percepção e conceito; ambos se engendrando (Sá, 2004). Uma Representação Social define tanto o estímulo quanto a resposta que evoca. Para além de um simples guia para o comportamento, ela remodela e reconstitui os elementos do ambiente em que o comportamento se sucederá; dá a este seu significado e o integra a um sistema comportamental e relacional maior (Flath e Moscovici, 1983).
Em síntese, as representações seriam sistemas de valores, idéias e práticas com uma dupla função: o estabelecimento de uma ordem que capacita os indivíduos de se orientarem e dominarem o seu mundo social e a facilitação da comunicação entre membros de uma comunidade por providenciar aos mesmos um código para nomearem e classificarem os vários aspectos de seu mundo e suas histórias individuais e grupais. (Flath e Moscovici, 1983)
A função de uma representação é tornar o extraordinário ordinário (Moscovici, 1984), sendo a sua formação dada por dois processos principais: a objetivação e a ancoragem. A objetivação dá realidade material a um objeto abstrato, fortalecendo o aspecto icônico de uma idéia imprecisa, o que se associa a um conceito de imagem. Em um segundo momento se sucede uma naturalização desse objeto, atuando no sentido da construção social da realidade. Pela ancoragem o objeto é classificado entre as redes de categorização da sociedade, adequado à hierarquia existente das normas e valores sociais (Flath e Moscovici, 1983).
Na formação de uma representação social também se mostram de grande importância aspectos como a dispersão da informação, a focalização e à pressão à inferência:
“A quantidade e a forma das informações sobre o objeto, assim como o meio pelos quais elas se tornam acessíveis para o sujeito, o grau de interesse intrínseco ou externo que o objeto desperta e a necessidade mais ou menos premente de seu conhecimento para o grupo são variáveis que certamente afetarão – e por isso poderão explicar, pelo menos parcialmente – o conteúdo e a estrutura da representação”. (Sá, 1998. p. 71 e 72)
A partir de tais pressupostos, os métodos de estudo em Representação Social se apresentam de forma diversa, podendo ser destacadas duas perspectivas mais consensuais entre os tantos: a ênfase nas condições de produção e o uso de material espontâneo. A primeira, partindo do supracitado não entendimento do conhecimento apenas na esfera cognitiva, visa seu remetimento às condições sociais que o engendram, o contexto de onde ele emerge, circula e se transforma. Isto se dá pelo estudo de situações sociais complexas (como instituições, comunidades, etc.) ou pela focalização de sujeitos, atores socialmente definidos, aproximando-a da prática etnográfica. Já a segunda se volta para a manifestação das informações dialógicas que formam e reformam as representações, sejam aquelas introduzidas por questões, expressas livremente em entrevistas ou já cristalizadas em produções sociais, como livros, documentos, mídia escrita, etc. Há três formas de obtenção de dados mais comuns: as técnicas verbais, baseadas usualmente em entrevistas abertas e com roteiro mínimo; as de associação livre a partir de palavras-estímulo, de caráter menos hermenêutico; e as técnicas projetivas, ou não-verbais, como o desenho (Spink, 2004).
Em outros termos, pode-se distinguir a observação empírica da Representação Social pela ausência ou presença de validação quantitativa do material simbólico, esta importante para uma distinção segura das representações de um grupo em relação a outro (Souza Filho, 2004). Entre essas abordagens quantitativas se destaca a análise de conteúdo, procedimento que se resume na descrição de dados simbólicos a partir de unidades de registro do texto. Há uma reunião dos dados segundo um significado comum de primeira ordem (dados brutos) e sua associação a categorias de análise relativas, concordantes com a problemática da pesquisa (Souza Filho, 2004).
Articulando tal método com a teoria moscoviciana, Souza Filho ressalta:
Em Psicologia Social, a abordagem das representações sociais adota a Análise de Conteúdo aberta para observar o conhecimento informal em relação a objetos específicos. Neste último caso, o analista não só procura inferir elementos de conteúdo isolados e combinados, como se faria em qualquer análise de comportamento e estrutural, mas, igualmente, considera-os como expressão da autonomia cognoscitiva do sujeito, que também procura transformar a realidade social e natural”. (1996, p.322)
Por fim, cabe citar as seis etapas sucessivas que Bardin (1977 / 1992) sugeriu em relação à estratégia de observação de material simbólico a partir de dados brutos:
  1. pré-análise, em que o analista intui quais seriam os parâmetros e variáveis de relevância para a existência de uma dada problemática social, fazendo as considerações básicas para a obteneção do material que constituirá uma amostra;
  2. codificação, ou escolha do tipo de recorte ou unidade de registro simbólico às quais se adequarão o material levantado, incluindo-se nesse momento a definição de categorias e a quantificação destas;
  3. categorização, atividade de classificar os conjuntos de elementos diferenciados de acordo com características simbólicas definidas através de analogias genéricas;
  4. tratamento de dados, basicamente estatístico;
  5. inferência, em que se sintetiza o resultado do tratamento;
  6. e a interpretação dos dados. 
Texto retirado do blog: http://carlosdaleno.wordpress.com/